quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

O Gigante Enterrado (Kazuo Ishiguro) - Crítica e Análise


Analise pré-leitura


Kazuo Ishiguro se mostrou um escritor fantástico na obra O Gigante Enterrado – a primeira que eu li deste autor – onde, com maestria, escreveu uma história envolvente que toca em temas delicados como amor, esquecimento, tempo e perdão.

A história toma lugar em uma Grã-Bretanha medieval, marcada por conflitos entre bretões e saxões e pela queda do respeitável Rei Arthur. A população sofre com a exposição a diversas ameaças – como ataques de ogros, presença de dragões e outras criaturas fantásticas – e a uma névoa misteriosa que paira sobre toda a terra e faz as pessoas esquecerem gradualmente as suas memórias. No meio disso tudo, há um casal de velhinhos, Axl e Beatrice, que estão determinados a viajarem para a aldeia do filho. Porém, devido a névoa, não se lembram do rosto do filho, e muito menos do caminho que devem tomar. Com isso, o casal acabará se envolvendo em uma aventura muito maior do que eles poderiam imaginar.

A edição que eu li – da Companhia das Letras – foi bem traduzida e bem confeccionada, com uma arte de capa impecável e uma tradução fluída e confortável.

São muitas lições que podem ser aprendidas com este livro – lições que passam longe de serem clichês que estamos cansados de ver. Às vezes, esquecer é bom. Às vezes, tudo o que precisamos fazer é aceitar e deixar ir, pois certas coisas são inevitáveis. E muitas vezes, devemos deixar nosso orgulho de lado e perdoar. Certas coisas não são importantes e não merecem ganhar tanta importância em nossas vidas. É necessário colocar na balança na hora de brigar, de discordar, de cortar ou manter laços, ou seja, existem coisas que simplesmente não valem a pena se desgastar.

No final das contas, O Gigante Enterrado é uma obra literária que pode ensinar muitas coisas aos seus leitores. Cheio de metáforas - que não são facilmente perceptíveis -, com uma ambientação incrível, personagens carismáticos e uma história que prende o leitor, eu diria que é uma obra obrigatória para a formação – tanto intelectual quanto espiritual – das pessoas.



Analise pós-leitura


Essa análise é para as pessoas que já leram o livro. Aqui, farei algumas observações e explicarei algumas metáforas da obra. Se você não leu, recomendo que primeiro o faça, mas sinta-se livre para continuar.

Durante a narrativa, Ishiguro consegue tocar em assuntos que nos fazem refletir muito sobre a visão que possuímos da vida. Um dos conflitos existentes é o quanto o amor pode se desgastar com o tempo. Axl e Beatrice são uma imagem perfeita desse desgaste temporal. Não conseguem se lembrar de toda a sua trajetória juntos, e têm medo do que podem se lembrar. Porém, ao mesmo tempo creem que, se durou tanto tempo nada poderá destruir isso.

O cavaleiro solitário do falecido Rei Arthur, Sir Gawain, diz ter uma missão: proteger a dragoa que produz a névoa. Por quê? Prestando atenção aos fatos citados, é visível que a terra em que a história se passa foi fortemente marcada pela guerra, logo, a vingança e o revanchismo estão no coração de todos. E o pior, esses sentimentos são passados ao longo das gerações. Arthur não queria reinar sobre tudo e todos. Ele não almejava riqueza ou poder – como muitos de nós fazemos -, mas sim a paz. E para conseguir isso, fez com que as pessoas se esquecessem dos fatos que as levam a querer vingança. Será que isso não mostra que se esquecêssemos certos acontecimentos em nossas vidas, poderíamos viver mais pacificamente? Ao mesmo tempo é levantada a questão sobre isso ser moralmente correto ou não – afinal, a população vive em uma ilusão -, e um conflito é travado entre Sir Gawain e Wistan, cuja missão é eliminar essa dragoa.

Então, o barqueiro é apresentado. Contando sua história, diz que é o responsável por selecionar através de um questionário os casais que podem ir para uma certa ilha juntos, separando aqueles cujo amor não é forte o suficiente. Com ele, aparece uma personagem que o culpa por ter se separado do marido - a senhora - dizendo que o barqueiro é um ser cruel e ardiloso. É essa mesma figura do barqueiro – não necessariamente a mesma pessoa, mas sim outro com a mesma tarefa – que no final das contas separa Beatrice de Axl. O curioso é que, ao longo da narrativa, o que é passado para o leitor é que os barqueiros levavam sempre os maridos, e deixavam as esposas para trás. Então por que o caso dos nossos protagonistas é diferente?

Beatrice passa o livro se queixando de dores, e, quando se consulta com uma médica, percebe que está doente, embora diga ao marido que está tudo bem. Nesse momento, fica claro que ela está chegando ao fim de sua vida e o barqueiro é o encarregado de levá-la. O barqueiro é a morte, que antes abandonava as esposas pois os homens iam à guerra e, consequentemente, muitos não retornavam.

É ao mesmo tempo bonita e triste essa trajetória. Por um lado, viveram uma vida feliz juntos – embora não consigam se lembrar de tudo, gerando certos conflitos às vezes – mas por outro, o fim inevitável alcançou Beatrice primeiro, deixando Axl sozinho para trás. Simultaneamente, é uma metáfora bonita pois algum dia Axl a encontrara na ilha. É só uma questão de tempo.

Outro detalhe que pode passar despercebido é o título da obra. Kazuo não a nomeou desta forma à toa. No final do livro, depois de matarem a dragoa, Wistan diz “O gigante, que antes estava bem enterrado, agora se remexe”. O gigante enterrado em questão é justamente tudo o que se encontrava adormecido no esquecimento: a vingança, o revanchismo, o ódio, e por consequência, a guerra. Nunca - apesar de o mundo do livro ser recheado de criaturas fantásticas - se tratou de um ser místico gigante, e sim de uma metáfora.

Por fim, fica fácil concluir que O Gigante Enterrado, além de uma bela história, é uma obra que passa um ensinamento para a vida, transmitindo valores importantes.

Trechos que valem a pena serem citados:

“Não é fácil sair de um lugar que você conhece há tanto tempo. ”
“Será que não é melhor que algumas coisas permaneçam encobertas? “
“Os efeitos do tempo podem ser um grande disfarce. ”
“Quando já não há mais tempo para salvar, ainda há bastante tempo para se vingar. “



quinta-feira, 19 de novembro de 2015

A Garota do Avião – uma crônica sobre a beleza do mistério



Era uma tarde chuvosa na doce e amável São Paulo. Eu estava no avião, me dirigindo ao querido continente europeu para uma viagem de férias de 3 semanas.

Tudo aparentava ocorrer normalmente. A mesma situação monótona de todo aeroporto - com direito à filas intermináveis e atrasos também -, porém, algo diferente, ou melhor, alguém diferente me ocorreu.

Logo após embarcar e me aconchegar na desconfortável cadeira do avião – desconfortável pelo fato de eu não poder esticar minhas pernas -, noto de cara uma garota ao meu lado. Minha cadeira se encontrava ao lado do corredor, e a dela, do outro lado. Não sei dizer se era sua primeira vez em um avião ou em uma viagem tão longa, porém seu olhar lembrava o de uma criança que via o mar pela primeira vez... Tudo parecia encanta-la de uma forma estupenda. Desde a possibilidade de ver diversos filmes nas intermináveis doze horas de voo, até os avisos desagradáveis de atar os cintos.

Ela portava uma mochila um tanto... peculiar. Com bottons e um macaco de pelúcia relativamente grande para se carregar em uma mochila. Dentro dela, um livro da "breve história da moda na Itália" - em italiano, naturalmente -, um dicionário português italiano, e pelo que pude ver, só.

O que passava em sua cabeça e o que faria quando chegasse ao destino? Um completo mistério. Talvez estivesse medo de tudo, talvez estivesse procurando uma vida nova, fugindo da realidade, ou até mesmo apenas realizando uma simples viagem. Mas seu encantamento com a situação era capaz de encantar os outros. Estranho isso, não? Poderia ficar horas a fio observando-a que não me entediaria.

Porém, o impossível pareceu acontecer: ela ficou entediada. Cansou do livro, e dos filmes, e não tinha sono. Enquanto tomava um café, ela sacou seu celular, colocou o fone, e começou a ouvir suas músicas - quais eram, outro mistério. Eis que, como se houvesse apenas ela no avião, ela começa a dançar de uma forma natural e... leve - com uma pitada de inocência pra completar.

Um certo tempo se passou, e o sono começou a tomar conta de seu ser. Enquanto ouvia Beatles, ela virou para um lado, e fechou os olhos. Ficou me encarando de olhos cerrados. O que sonhava ela? Com as estrelas? Com o amor de sua vida? Ou simplesmente com nada? Certos mistérios me deliciam por nunca serem resolvidos. Afinal, qual a graça de se ter a resposta para tudo?