Kazuo
Ishiguro se mostrou um escritor fantástico na obra O Gigante Enterrado – a
primeira que eu li deste autor – onde, com maestria, escreveu uma história
envolvente que toca em temas delicados como amor, esquecimento, tempo e perdão.
A
história toma lugar em uma Grã-Bretanha medieval, marcada por conflitos entre
bretões e saxões e pela queda do respeitável Rei Arthur. A população sofre com
a exposição a diversas ameaças – como ataques de ogros, presença de dragões e
outras criaturas fantásticas – e a uma névoa misteriosa que paira sobre toda a
terra e faz as pessoas esquecerem gradualmente as suas memórias. No meio disso
tudo, há um casal de velhinhos, Axl e Beatrice, que estão determinados a
viajarem para a aldeia do filho. Porém, devido a névoa, não se lembram do rosto
do filho, e muito menos do caminho que devem tomar. Com isso, o casal acabará
se envolvendo em uma aventura muito maior do que eles poderiam imaginar.
A
edição que eu li – da Companhia das Letras – foi bem traduzida e bem
confeccionada, com uma arte de capa impecável e uma tradução fluída e
confortável.
São
muitas lições que podem ser aprendidas com este livro – lições que passam longe
de serem clichês que estamos cansados de ver. Às vezes, esquecer é bom. Às
vezes, tudo o que precisamos fazer é aceitar e deixar ir, pois certas coisas
são inevitáveis. E muitas vezes, devemos deixar nosso orgulho de lado e
perdoar. Certas coisas não são importantes e não merecem ganhar tanta
importância em nossas vidas. É necessário colocar na balança na hora de brigar,
de discordar, de cortar ou manter laços, ou seja, existem coisas que
simplesmente não valem a pena se desgastar.
No final das
contas, O Gigante Enterrado é uma obra literária que pode ensinar muitas coisas
aos seus leitores. Cheio de metáforas - que não são facilmente perceptíveis -,
com uma ambientação incrível, personagens carismáticos e uma história que
prende o leitor, eu diria que é uma obra obrigatória para a formação – tanto
intelectual quanto espiritual – das pessoas.
Essa
análise é para as pessoas que já leram o livro. Aqui, farei algumas observações
e explicarei algumas metáforas da obra. Se você não leu, recomendo que primeiro
o faça, mas sinta-se livre para continuar.
Durante a
narrativa, Ishiguro consegue tocar em assuntos que nos fazem refletir muito
sobre a visão que possuímos da vida. Um dos conflitos existentes é o quanto o
amor pode se desgastar com o tempo. Axl e Beatrice são uma imagem perfeita desse
desgaste temporal. Não conseguem se lembrar de toda a sua trajetória juntos, e
têm medo do que podem se lembrar. Porém, ao mesmo tempo creem que, se durou
tanto tempo nada poderá destruir isso.
O cavaleiro solitário do falecido Rei Arthur, Sir Gawain, diz ter uma missão:
proteger a dragoa que produz a névoa. Por quê? Prestando atenção aos fatos
citados, é visível que a terra em que a história se passa foi fortemente marcada
pela guerra, logo, a vingança e o revanchismo estão no coração de todos. E o
pior, esses sentimentos são passados ao longo das gerações. Arthur não queria
reinar sobre tudo e todos. Ele não almejava riqueza ou poder – como muitos de
nós fazemos -, mas sim a paz. E para conseguir isso, fez com que as pessoas se
esquecessem dos fatos que as levam a querer vingança. Será que isso não mostra
que se esquecêssemos certos acontecimentos em nossas vidas, poderíamos viver
mais pacificamente? Ao mesmo tempo é levantada a questão sobre isso ser
moralmente correto ou não – afinal, a população vive em uma ilusão -, e um
conflito é travado entre Sir Gawain e Wistan, cuja missão é eliminar essa
dragoa.
Então, o
barqueiro é apresentado. Contando sua história, diz que é o responsável por
selecionar através de um questionário os casais que podem ir para uma certa
ilha juntos, separando aqueles cujo amor não é forte o suficiente. Com ele,
aparece uma personagem que o culpa por ter se separado do marido - a senhora -
dizendo que o barqueiro é um ser cruel e ardiloso. É essa mesma figura do
barqueiro – não necessariamente a mesma pessoa, mas sim outro com a mesma tarefa
– que no final das contas separa Beatrice de Axl. O curioso é que, ao longo da
narrativa, o que é passado para o leitor é que os barqueiros levavam sempre os
maridos, e deixavam as esposas para trás. Então por que o caso dos nossos
protagonistas é diferente?
Beatrice passa
o livro se queixando de dores, e, quando se consulta com uma médica, percebe
que está doente, embora diga ao marido que está tudo bem. Nesse momento, fica
claro que ela está chegando ao fim de sua vida e o barqueiro é o encarregado de
levá-la. O barqueiro é a morte, que antes abandonava as esposas pois os homens
iam à guerra e, consequentemente, muitos não retornavam.
É
ao mesmo tempo bonita e triste essa trajetória. Por um lado, viveram uma vida
feliz juntos – embora não consigam se lembrar de tudo, gerando certos conflitos
às vezes – mas por outro, o fim inevitável alcançou Beatrice primeiro, deixando
Axl sozinho para trás. Simultaneamente, é uma metáfora bonita pois algum dia
Axl a encontrara na ilha. É só uma questão de tempo.
Por
fim, fica fácil concluir que O Gigante Enterrado, além de uma bela história, é
uma obra que passa um ensinamento para a vida, transmitindo valores
importantes.
Trechos que valem a pena serem
citados:
“Não é fácil sair de um lugar que você conhece há tanto tempo. ”
“Será que não é melhor que algumas coisas permaneçam encobertas? “
“Os efeitos do tempo podem ser um grande disfarce. ”
“Quando já não há mais tempo para salvar, ainda há bastante tempo para se vingar. “
“Quando já não há mais tempo para salvar, ainda há bastante tempo para se vingar. “