Análise pré-leitura (sem spoilers)
Considerado um dos romances mais importantes do século XX e escrito por
ninguém menos que Harper Lee, O Sol é Para Todos (To Kill a Mockingbird) conta
uma história com temas controversos como preconceito social, racismo e
conformismo com a injustiça.
A trama se passa em Maycomb – interior do Alabama – no começo dos anos 1930
e é contada por Jean Louise “Scout”, a sensível filha de doze anos do advogado
Atticus Finch. Scout narra a sua rotina na cidade rural e pacata, contando as
aventuras envolvendo seu irmão mais velho Jem, seu melhor amigo Dill e seus
vizinhos. Mas a sua vida passa a mudar quando seu pai se torna o homem
responsável pela defesa do famigerado caso de Tom Robinson, um homem negro
acusado de estuprar Mayella, uma mulher branca. A cidade, que antes se portava
como um lugar amigável e com vizinhos simpáticos, mostra as velhas garras do
preconceito e da intolerância.
O livro foi o ganhador do Prêmio Pulitzer de literatura em 1961 e teve
uma adaptação cinematográfica ganhadora do Oscar de melhor roteiro adaptado em
1962. Além disso, teve uma continuação lançada ano passado chamada Vá, Coloque
um Vigia (Go Set a Watchman), quebrando o silêncio de mais de 60 anos da
autora. Harper Lee era amiga de Truman Capote (inclusive o ajudou a escrever
sua grande obra A Sangue Frio) e faleceu no dia 19 de fevereiro deste ano, aos
89 anos.
A obra em si faz com que seus leitores levantem questionamentos sobre a
história e sobre sua própria vida. Chega a ser estranho como a autora conseguiu
escrever uma obra que se adapta tão bem aos problemas dos dias de hoje. Logo,
além de ter uma excelente arte de capa, O Sol é Para Todos consegue sua marca
exímia de obras clássicas que todos deveriam ler.
Rouxinol (ou Mockingbird, em inglês) |
Análise pós-leitura
Essa análise é para as pessoas que já leram o livro. Aqui, farei algumas
observações e explicarei algumas metáforas da obra. Se você não leu, recomendo
que primeiro o faça, mas sinta-se livre para continuar.
O Sol é Para Todos traz muitas
metáforas e simbologias durante a narrativa que ajudam a compreender a mensagem
trazida pela história.
O título original em inglês To Kill a Mockingbird – que pode ser
traduzido como “matar um rouxinol” – traz em si o significado principal da obra
e é citado algumas vezes durante a narrativa. Quando Scout e seu irmão ganham
espingardas de ar comprimido Atticus explica seu ponto de vista para Jem:
“Preferia que você atirasse em latas no quintal, mas sei que vai atrás dos
passarinhos. Atire em todos os gaios que quiser, se conseguir acertá-los, mas
lembre-se: é pecado matar um rouxinol”. Scout ainda ressalta isso ao dizer “foi
a única vez em que ouvi Atticus dizer que alguma coisa era pecado”. O rouxinol
em si representa a inocência porque, como diz a própria senhorita Maudie no
livro, não destrói jardins e não faz ninhos nos milharais, apenas canta. Isso é
representado de várias maneiras ao longo da história, com diversas situações em
que pessoas inocentes são injustiçadas de alguma maneira – Tom que não mereceu
ser preso, Boo Radley que era infortunado pelas crianças e até mesmo Scout e
Jem que quase são mortos. Além disso, o título também é citado no final do
livro (que já será explicado).
Já o título traduzido para o português remete à ideia de liberdade como
direito universal de qualquer ser humano. O Sol é o direito à liberdade, e
todos devem tê-lo independentemente da cor da pele, religião, origem, ou
qualquer outra característica.
A cena do cachorro louco é carregada com todo o peso da situação
delicada entre Atticus e seu cliente Tom Robinson. Atticus se mostra, para a
surpresa de Scout e Jem, um exímio atirador ao ser obrigado a atirar no
cachorro, e essa cena fica marcada na cabeça de Scout por muito tempo. Atticus
deixa claro que não gosta e não quer atirar, mas não tem escolha e deve fazer
isso – assim como o caso envolvendo Tom, em que Atticus diz que não se
perdoaria nunca se não o ajudasse. Além disso, uma boa habilidade em atirar não
serve para nada com uma arma descarregada, do mesmo jeito em que as habilidades
de Atticus em direito não conseguem salvar Tom de um júri preconceituoso e racista.
O final dá sentido à mensagem inteira da obra. Ewell foi ridicularizado
no tribunal e, mesmo vencendo a causa, perdeu toda a sua credibilidade e
respeito dos seus amigos e vizinhos. Assim não tem nada a perder e tenta de
forma desesperada se vingar de Atticus atacando seus filhos. Mas o inesperado
acontece: Ewell é morto com uma facada na barriga. Apesar de muitos leitores
ficarem em dúvida fica evidente que o autor dessa proeza foi Boo Radley. O
xerife Heck afirma que vai abafar o caso e Atticus pergunta se Scout entende a
razão disso. Scout responde gentilmente dizendo: “seria como matar um rouxinol,
não? ”, revelando que entregar Boo pelo seu ato heroico seria o mesmo que matar
uma criatura inocente. Ao balancear todos os acontecimentos do livro, as dores
e as alegrias se equilibram com esse final agridoce, mostrando que na vida nem
a dor ou a felicidade tomam o controle completo da situação – isso não soa como
amadurecer e crescer?
Trechos que valem a pena serem citados:
“ Eu não gostava de ler até o dia em que tive medo de
não poder ler mais. Ninguém ama respirar. “
“ Você só consegue entender uma pessoa de verdade
quando vê as coisas do ponto do vista dela. “
“ Tem gente que... se preocupa tanto com o outro mundo
que não sabe viver nesse aqui, basta olhar na rua e ver o resultado. “
“ Nunca sabemos como realmente vivem as pessoas. O que
acontece por trás das portas fechadas, os segredos... “
“ Há maneiras de resolver as coisas que você ignora. “
“ Ainda que tenhamos perdido antes mesmo de começar,
não significa que não devamos tentar. “
“ Quando a gente quer pegar uma presa, é melhor não
ter pressa. É só ficar em silencia que a presa fica curiosa e, tão certo quanto
dois e dois são quatro, sai do esconderijo. “
“ As pessoas sensatas nunca se orgulham dos próprios
talentos. “
“ A única coisa que não deve se curvar ao julgamento
da maioria é a consciência de uma pessoa. “
“ As coisas não podem ser sempre como queremos. “
“ Coragem é fazer uma coisa mesmo estando derrotado
antes de começar. “
“ Ninguém precisa mostrar tudo que sabe. “
“ Às vezes precisamos mentir em determinadas
circunstâncias, especialmente quando não podemos fazer nada. “
“ Uma multidão, qualquer que seja ela, é sempre
formada por pessoas. “
“ Foi preciso uma menina de oito anos para fazer eles
recobrarem a consciência, não foi? – perguntou Atticus. – Isso prova que um
bando de homens ensandecidos pode ser contido, simplesmente porque eles
continuam sendo humanos. “
“ As coisas nunca são tão ruins quanto parecem. “
“ Se só existe um tipo de gente, por que as pessoas
não se entendem? Se são todos iguais, por que se esforçam para desprezar uns
aos outros? Scout, acho que estou começando a entender uma coisa. Acho que
estou começando a entender por que Boo Radley ficou trancado em casa todo esse
tempo... é porque ele quer ficar lá dentro. “
“ Sr. Finch, há um tipo de homem em quem devemos dar
um tiro antes mesmo de cumprimentá-los. Mesmo assim, eles não valem a bala que
gastamos. “
“ As pessoas têm a mania de manter aas rotinas diárias
até nas situações mais estranhas. “
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